O primeiro trabalho de Alfred Hitchcock nos Estados Unidos foi Rebecca, A Mulher Inesquecível, sucesso de público e crítica que faturou o Oscar de Melhor Filme em 1941. Antes de sair da Inglaterra, sua terra natal, porém, Hitchcock já era um diretor de renome. Sua “fase inglesa” não se compara em qualidade aos clássicos americanos dos anos 1950 e 1960, claro. Mas aquele olhar único e diferenciado para os elementos cênicos estava lá desde o começo.
Hitch passou a década de 1920 acumulando experiência em diversas funções nos sets de filmagem antes de começar a fazer os próprios longas. Foi designer de títulos (organizava os cartazes com créditos e legendas), diretor de arte e diretor de segunda unidade, além de ganhar créditos como roteirista. Ele é a prova do cinema como trabalho manual – da mesma forma que o artesão, o cineasta deve aprender por meio da observação, do fazer, aprimorando sua técnica de acordo com as ferramentas disponíveis.
Naqueles anos, liderou alguns sucessos, projetos incompletos e pequenos fracassos comerciais – alguns desses completamente desconhecidos hoje em dia, pois tiveram os negativos perdidos para sempre. Em 1929, ocorre a mudança: com Chantagem e Confissão, o primeiro filme falado da Inglaterra, consegue dirigir um trabalho icônico pela primeira vez.
Assim como inúmeras obras desse período de transição para o sonoro, os longas de Hitchcock do final da década de 1920/início de 1930 carregam muito da estética muda. No começo de Chantagem e Confissão, dois policiais fazem uma batida na casa de um criminoso. A música marca as ações dos personagens durante toda a sequência e a primeira palavra só é dita com quase cinco minutos de projeção – e, sendo sincero, o diálogo nem se faz tão relevante na maior parte do filme. O extenso uso de planos médios dos atores e cenários, de forma a sempre mostrar a ação como um todo, também vem do cinema mudo.
Nesse momento, o diretor já utilizava maneirismos que iria aperfeiçoar anos depois, como alongar o tempo de uma cena para aumentar o suspense ou ressaltar a importância de determinados objetos para a trama por meio de planos detalhes. No entanto, a principal característica hitchcockiana nascida aqui não é técnica, mas sim temática: o peso da culpa sobre o indivíduo, com histórias sobre homens comuns jogados em situações extremas e perigosas, inocentes acusados injustamente, mistérios em torno de mortes.
Assassinato!, de 1930, por exemplo, segue a cartilha à risca. Após uma atriz de teatro ser presa por um homicídio que teria cometido, um dos jurados tenta provar a inocência da garota. O roteiro adapta uma peça, coisa comum para Hitchcock. De Chantagem e Confissão a Psicose, de Os 39 Degraus a Festim Diabólico, são várias as adaptações de contos, livros e teatro em sua filmografia. O humor negro, mais um ponto fundamental para o diretor, também está presente em Assassinato!. À exceção de suas obras sérias (Um Corpo que Cai, O Homem Errado, entre outras), os roteiros filmados por ele fazem uso de um recorrente alívio cômico mordaz e cínico, tipicamente britânico. Alguns até mesmo descambam para a comédia (O Terceiro Tiro).
Voltando para os longas ingleses, podem não ser fantásticos, mas refletem interessantes exercícios de gênero, principalmente no suspense. Dois deles, no entanto, são muito acima dos demais: Os 39 Degraus (1935) e A Dama Oculta (1938) – ambos, coincidência ou não, com tramas de crime e espionagem. O fim da década de 1930 já reservava um autor desenvolvido, criando a seu modo. É claro que os estúdios americanos não perderiam a chance de contratar esse autor. Mal sabiam eles do que esse gordinho bonachão com sotaque cockney era capaz.