Eric Rohmer disse certa vez, durante a década de 1960, que o cinema de Alain Resnais se assemelhava à poesia, onde a cronologia desaparece e o relato subjetivo se funde com o objetivo; no entanto, este modo de filmar abria “portas sem saída” para a Sétima Arte. Em outras palavras, o já falecido cineasta francês e ex-editor de Cahiers du Cinéma criticava o modo como os filmes de Resnais possuíam fim em si mesmo, com a forma prevalecendo sobre o conteúdo.
Rohmer não está de todo errado quando compara seu compatriota à escrita. Na verdade, Resnais está mais para a literatura de José Saramago, Júlio Cortázar ou Jorge Luís Borges, graças à manipulação da realidade e do tempo, misturando e embaralhando o real ao irreal, e ao uso de fluxo de pensamento como forma de contar uma história – técnicas que fazem de seu trabalho algo único e inimitável em toda a história do cinema.
Porém, torna-se insustentável afirmar que Resnais é um mero formalista. Mesmo estruturando seus filmes sobre esquemas narrativos pouco usuais, o cineasta tem muito a falar. Tomemos Providence como exemplo: por trás da trama fragmentada, existe uma poderosa mensagem, semelhante à encontrada em M – O Vampiro de Düsseldorf e Cidadão Kane: definir um homem, julgá-lo a partir de suas atitudes, é tarefa impossível.
Para dar conta de um tema tão complexo quanto amplo, somente um intrincado roteiro, escrito pelo dramaturgo inglês David Mercer, e uma abordagem pouco convencional, voltado à psicologia – o que aproxima Resnais de Ingmar Bergman, mas com uma importante diferença: enquanto o sueco utilizava o psicologismo para mostrar a degradação humana, o francês busca entender a essência do homem moderno. Providence parece um quebra-cabeças com peças embaralhadas, cuja montagem se dá às duras penas.
Afinal, como definir um filme no qual o protagonista, um velho escritor alcoólatra chamado Clive Langham (John Gielgud em atuação magistral), ora parece analisar a própria vida em uma narração pós-morte, como em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ora aparenta estar vivo, bêbado de vinho branco em seu quarto, delirando com dores de uma doença terminal enquanto tenta finalizar um livro? Por que os personagens desse livro são membros da família de Langham – o filho advogado (Dirk Bogarde), a nora (Ellen Burstyn), a falecida esposa? A história se passa em sua mente? Estaria ele louco?
Grande parte da projeção apresenta esse jogo entre verdade e imaginação, o que é e o que não é. Clive tem a chance, com isso, de rever as atitudes tomadas ao longo de seus setenta e tantos anos, interligando a narrativa de seu romance inacabado à narrativa de sua própria vida: a relação pouco íntima com o filho, a traição à esposa amada, a destruição do casamento. Somente assim, o protagonista consegue olhar para dentro de si mesmo e entender o que o tornou uma pessoa sozinha e infeliz.
Em nenhum momento, no entanto, o roteiro se mostra piedoso com Clive. Ele próprio usa de um humor afiado para criticar a hipocrisia dos parentes e rir da condição senil em que se encontra. O longa está cheio desses momentos mais leves, que se contrapõem ao drama pesado das situações vividas pelos personagens.
Providence possivelmente só se completa em uma revisão. Somente na segunda ou terceira visita ao filme a importância dos dois confusos e brilhantes primeiros atos, onde o caráter da história e dos personagens se define, fica clara. O momento em que todas as peças se encaixam, tornando possível o entendimento completo de tudo o que fora mostrado até então, é exemplo de cinema construído nos mínimos detalhes. E isso, os detalhes, Resnais filma como poucos.
Clive Langham pode ter sido um péssimo exemplo de pai, marido, pessoa. Mas quem somos nós para julgá-lo?
[…] ao menos pra mim, conta muito na hora de analisá-la. Lembro de quando assisti a Providence, filme de Alain Resnais. Admito, entendi quase nada, mas captei sua força dramática brutal. Na revisão, tudo se […]