Corrida Sem Fim (1971), de Monte Hellman

(Resgatando alguns textos publicados em versões antigas do Cinefilia.net, começo por este que fala sobre o filmaço de Monte Hellman)

Os personagens não possuem nome. Os diálogos são reduzidos ao máximo e, de preferência, só dizem respeito a carros e a seus componentes mecânicos. A trama inexiste e o tema é o vazio, vazio interior. Sim, esta é a definição de um dos mais importantes – e melhroes – filmes da década de 1970, Corrida Sem Fim, que se nega a ser mera obra cultural para se tornar relato e retrato de uma geração.

Dirigido e roteirizado por Monte Hellman, autor completamente independente do sistema hollywoodiano desde os anos 1960, Corrida Sem Fim mostra o submundo da paixão automobilística norte-americana na forma de um road-movie existencialista. Seu fiapo de história pode ser resumido da seguinte forma: O Motorista (vivido pelo cantor James Taylor) e O Mecânico (Dennis Wilson, falecido músico membro do Beach Boys), donos de um Chevy 55 cinza, conhecem A Garota (Laurie Bird) e partem pelas auto-estradas do oeste americano para cruzar o país. Encontram por acaso G.T.O (o monstro Warren Oates) e apostam uma corrida até Washington. O vencedor ganha o carro do adversário. Obviamente nem os automóveis, o desafio e o dinheiro em jogo importam. Compreender – ou não – os personagens e as relações entre si são o cerne da obra.

Para entender o porquê da existência do filme é importante lembrar o contexto histórico da época. No começo dos 1970, toda uma geração de jovens americanos que ansiava por grandes mudanças no país estava desiludida. A Guerra do Vietnã era uma batalha moralmente perdida, a confiança nos políticos não existia, ídolos culturais – Janis Joplin, Jim Morrison, Jimi Hendrix – morriam. Surge então Monte Hellman mostrando uma juventude sem horizonte, que vive por viver – ou, no caso, corre por correr. O diretor não percebeu, porém, que fazia um testamento da letargia da juventude do século 20. A falta de nomes próprios aos personagens apenas define este caráter atemporal: poderíamos transpor a história para a crise inglesa do começo dos 1980 e a falta de perspectiva dos proletários juvenis, ou então para a década de 1990 e a “geração Y”, acéfala graças ao acelerado desenvolvimento tecnológico, que teríamos as mesmas situações vagas que não levam a lugar algum.

Corrida Sem Fim é um jogo sensorial. Há longos momentos de um silêncio incômodo, emoldurado por imagens abertas, quadros nos quais os personagens se encontram diminutos em relação aos locais por onde passam. Os carros pulsam mais do que os condutores, assim como o ronco dos motores tem mais a dizer do que as parcas palavras usadas pelos seus donos. Quando G.T.O, por exemplo, tenta mudar um pouco a situação contando detalhes sobre sua vida, recebe um “não importa, é problema seu”. Ele, o único adulto do grupo, conhecendo a desilusão e a solidão de perto, é o único com interesse no futuro, com desejo de ralizar sonhos, a ter lucidez em suas escolhas. Curiosa observação.

A frase chave do longa é o questionamento de G.T.O aos três jovens: “ainda estamos correndo?”. O tédio consome a juventude e faz com que cada ato, por mais importante que possa parecer inicialmente, torne-se descartável. A corrida sem destino filmada por Hellman nada mais é do que a vida dos próprios personagens. Correr para onde, para que e, principalmente, por quê? Quando não há horizonte, muitos cruzam os braços e são arrastados por suas existências. A cena final, com a película em chamas, brada em alto e bom som: estamos fadados a correr, simplesmente.

 

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