Mês do Imperador – Akira Kurosawa: Os Sete Samurais (1954)

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“Um filme bom de verdade deve oferecer diversão. Não há nada complicado nisso. Um filme realmente bom é interessante e fácil de entender”. Essa frase do próprio Kurosawa, dita em um dos inúmeros documentários sobre sua carreira, reflete bem suas ideias sobre o cinema: entreter, de forma direta e eficaz. Contudo, estamos falando de um dos mais importantes diretores da história. Óbvio, então, que esse entretenimento não é rasteiro, mas, sim, acompanhado de muita classe, de questionamento, de arte em seu estado mais puro. Em Os Sete Samurais, sem dúvida a obra mais representativa de sua filmografia, Kurosawa mistura drama social, romance e humor em um cânone da Sétima Arte, cuja influência pode ser encontrada ainda hoje em qualquer filme de aventura, ação ou faroeste.

Com o objetivo de fugir da estética do kabuki, uma forma estilizada e popular de teatro surgida na Idade Média que parte do cinema japonês dos 1950 ainda buscava imitar, Kurosawa imaginou uma trama realista, passada após o fim das guerras civis locais, no século 16: agricultores de um vilarejo, cansados de serem pilhados por ladrões, contratam sete samurais para combatê-los. As três horas e quarenta minutos de projeção são divididas em três “momentos” distintos. O primeiro mostra a ingrata busca por samurais dispostos a entrar em uma luta sem recompensas. No segundo, vê-se a preparação do povo local e a lenta espera por um inimigo mais forte e numeroso. O terceiro é a sangrenta batalha em si.

Apesar da longuíssima duração, a fluência da história impressiona: a dosagem de drama, ação e humor, este último encontrado em fartas doses nos dois terços iniciais, permite ora acelerar, ora diminuir o ritmo da trama. Por outro lado, enquanto a aguardada luta se aproxima, uma abordagem mais séria e reflexiva toma conta do filme. Toda a perfeita harmonia no modo como esse épico é narrado, no entanto, não existiria sem um desenvolvimento adequado dos personagens — afinal, o espectador passa, como já dito, quase quatro horas em companhia deles. Os samurais, cada um com sua personalidade, são seres palpáveis, verossímeis: tem-se o homem sábio e experiente; o sério, frio e exímio espadachim; o jovem aprendiz; o temperamental que pretende mostrar seu valor a si mesmo etc.

As interpretações, carregadas e à beira do caricato em alguns momentos, não representam problema e só deixam o filme mais forte. Toshirô Mifune, por exemplo, interpreta Kikuchiyo com um vigor notável. Irreverente e dono de um imenso senso de dignidade, o personagem oferece cenas memoráveis, como aquela na qual vocifera contra o poder abusivo dos samurais em comparação à miséria dos camponeses, ou, então, quando salva um bebê de um incêndio e chora, recordando a infância. Da mesma forma, devemos nos lembrar de Kambei Shimada (Takashi Shimura), mais velho do grupo e líder moral da missão, cuja serenidade acalma os colegas. Ambos são o equilíbrio emocional do longa.

Além de documentar a vida campesina, Os Sete Samurais não se abstém da crítica aos valores do Japão feudal. Vilarejos passavam fome e famílias eram massacradas por ladrões em meio ao caos social. Nem mesmo os samurais, símbolos máximos da época, são poupados: diferentemente da ideia de nobreza associada à função, aqui se tornam pessoas mal vistas, excluídas da sociedade, sempre vagando pelas cidades em busca de trabalho e comida.

O fato mais espantoso é notar a agilidade com que Kurosawa filma tudo isso — em pleno 1954, não nos esqueçamos. O diretor usa todas as cartas para criar uma obra que prima pela imagem em constante movimento: sistema multicâmera, longos e velozes travellings, profundidade de campo — permitindo uma disposição quase geométrica dos personagens pelo cenário —, iluminação natural banhando cenas ao ar livre, sombras encharcando interiores. A batalha final entre samurais e bandidos, durante chuva torrencial, é o ápice da forma grandiosa e moderna concebida pelo diretor para filmar esse clássico.

Como bem disse Kurosawa, cinema bom de verdade deve oferecer boa diversão. E o mundo está para encontrar diversão mais completa que Os Sete Samurais.

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3 comentários em “Mês do Imperador – Akira Kurosawa: Os Sete Samurais (1954)

  1. João Luis Pinheiro disse:

    Mandou bem de novo Thiago. O filme é tão bom, que até sua refilmagem americana é um clássico! Abraços.

    • Thiago Borges disse:

      Com certeza, João! “Sete Homens e Um Destino” é um ótimo western. E, se pararmos para pensar, Os Sete Samurais também é um western!

      Abraços

  2. eduardo costa disse:

    Obra-prima de embasbacar. São quase quatro horas que nem se percebe o tempo passar. genial.

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