O Homem do Braço de Ouro é um musical disfarçado de filme noir. Basta notar a presença esmagadora da trilha sonora de Elmer Bernstein que percorre quase todo o filme, um jazz meio esquizofrênico, nervoso, sensual, inquieto. Exatamente como o personagem de Frank Sinatra, Frankie Machine, um ex-carteador aspirante a baterista viciado em heroína, às voltas com um mundo tão, ou mais, mesquinho e mentiroso quanto seu vício.
O roteiro de Lewis Meltzer e Walter Newman adapta o livro homônimo de Nelson Algren de forma curiosa: nos minutos iniciais de projeção, as informações oferecidas ao público vêm em conta gotas. Não entendemos completamente o que acontece, imaginamos algo e aí aparece um diálogo para nos revelar a verdade. Frankie chega à cidade natal, aparentemente após um bom tempo longe. Conhecidos começam a perguntar como foi sua estadia fora dali. Ele estava preso? Cometeu algum crime? Por que a surpresa por seu retorno? Ah, sim, estava em uma clínica de reabilitação para drogados. Ele encontra então um casal, troca olhares com a garota (Kim Novak). Seria a namorada com outro homem? Não, pois sua mulher (Eleanor Parker), em uma cadeira de rodas, o espera em casa. Quando o protagonista deixa a esposa sozinha, no entanto, ela anda normalmente. A realidade é sempre dúbia: devemos olhar mais de uma vez para tentar compreendê-la.
Por isso, a câmera de Preminger anda para lá e para cá atrás dos personagens, tentando a todo custo arrancar alguma bondade dessas pessoas infames – como a referida esposa que finge ser paraplégica para manter o marido em um casamento falido ou o dono de casa de jogos para quem a moral é uma questão financeira. Frankie não representa o mal do mundo: o mundo, na verdade, é a própria perdição, pintada em preto e branco pela fotografia cheia de sombras de Sam Leavitt. O desespero de Frankie em tentar resistir à droga tem outro significado, mais amplo: o desespero pelo mundo e sua decadência inevitável.
E voltamos ao uso da música, impressionante por não apenas refletir sentimentos, mas ritmar as ações, oferecendo mais peso dramático a elas. A cena em que Frankie volta a usar heroína ilustra isso: os movimentos do fornecedor da droga são acompanhados por notas fortes, com bateria, pratos, metais, todos em uníssono. Se O Homem do Braço de Ouro é, então, um musical, destoa completamente das convenções do gênero. Foge da felicidade contagiante e aproxima-se dos filmes de Douglas Sirk, onde o final feliz vem com um sorriso amarelo, forçado. O vigor dessa obra está em possuir algo de muito tocante, sobre a necessidade de não ceder, não ser derrotado pela vida.