O Cinefilia de fevereiro traz um especial sobre a obra de Otto Preminger – com dois textos meus, aliás. Para seguir as homenagens a esse gênio austríaco que construiu a carreira nos Estados Unidos, aprofundo a análise que fiz de Tempestade Sobre Washington (confira aqui), quinta-essência do modo premingeriano de se filmar. Na verdade, este post serve mais para mostrar, na prática, o modo único usado pelo diretor para a construção dos elementos de uma cena, a mise en scène.
Na trama, Robert Leffingwell, personagem de Henry Fonda, é indicado pelo presidente dos Estados Unidos ao cargo de Secretário do Estado, o que envolve cuidar de todas as questões da política externa americana em meio à Guerra Fria com a União Soviética. Parte do Senado fica contra a escolha, temendo pelo passado possivelmente comunista de Robert. Instaura-se, então, um cômite para investigá-lo.
Enquanto mostra os mecanismos que movem a política – chantagem, manipulações etc. -, Preminger deixa a câmera livre para circular entre atores, cenários. É ela quem tenta buscar uma verdade em um antro de mentiras e dissimulações. Somente dessa forma um roteiro firmado em diálogos afiados, lotado de humor refinado, poderia funcionar. Vejamos a sequência a seguir.
Mesmo praticamente sem qualquer ação física, este minuto e meio de filme possui agilidade, tensão dramática pulsante. Qualquer outro diretor menos qualificado abusaria dos planos médios dos atores, mostrando-os do abdôme para cima, enquanto uma edição pragmática cortaria para aquele que assumisse a palavra. Preminger prefere fazer tudo em um único plano sequência, movendo a câmera pelo ambiente onde os senadores se encontram. A cena começa já no meio de um discurso, com personagens entrando pela porta ao fundo. A câmera os acompanha até seus lugares, quando finalmente se mostra o orador. A partir daí, vemos diálogos sobrepostos, movimentação tanto no primeiro quanto no segundo plano e, o principal, as reações de cada um ao que é dito.
Tomemos outro exemplo, logo abaixo.
Temos aí algo mais “convencional” – locutor e interlocutor em locais opostos de um mesmo recinto, mostrados alternadamente. Convencional sim, mas não óbvio, começando pelo grande movimento em direção ao parlamentar que inicia um alterado discurso. Cortes bruscos levam de um senador a outro, acompanhando com firmeza uma discussão que se torna cada vez mais acalorada, até o momento em que a câmera se fixa em um deles, quando este se descontrola e começa a gritar.
Muito além das reflexões sobre assuntos importantes para a sociedade encontrados em seus filmes (religião, sistema judiciário, política), Preminger ensina o ofício cinematográfico. As cenas comentadas são pequenos exemplos de como, no cinema, a imagem deve controlar a palavra e dar ritmo a ela – não o contrário.