Detalhes de um mestre – Suspeita (1941), de Alfred Hitchcock

suspicion

Nem só de grandes sequências vive o cinema do Alfred Hitchcock – como aquela em que Cary Grant é perseguido por um avião em Intriga Internacional, o clímax de Pacto Sinistro no parque de diversões ou ainda o assassinato de Marion Crane em Psicose, para ficar em alguns. Muito de sua qualidade vem do cuidado em revelar informações e sentimentos com sutileza, surpreendendo o espectador ao utilizar um movimento de câmera inesperado ou um enquadramento específico.

Em Suspeita, filme de 1941, uma cena – de uns 5 segundos, se tanto – é fundamental para se entender a perturbação mental vivida por Lina, personagem de Joan Fontaine. Uma breve explicação da história: mulher tímida e sexualmente reprimida, sem saber se seu marido – um playboy viciado em jogo vivido por Cary Grant – se casou por amor ou pela herança de sua família, ela começa a suspeitar que o esposo planeja matar um amigo de longa data, evitando assim que este dissolva a parceria existente entre eles em um empreendimento imobiliário.

Enquanto os dois viajam juntos, Lina recebe a visita de dois policiais e uma notícia que desaba seu mundo: o sócio de seu marido foi encontrado morto. Ocorre, então, a sequência abaixo:

Lina se despede dos oficiais…

…e os leva até a porta,…

…ficando sozinha em sua casa

Hithcock filma a despedida normalmente, com um plano médio dos atores. No entanto, após os policiais saírem, coloca a câmera quase no teto da residência. Quando Lina se vira, vemos uma mulher minúscula em meio a uma mansão gigantesca, que apesar do enorme espaço ao seu redor, parece não ter para onde ir, não ter a quem pedir ajuda. Somente com o uso da imagem, sem diálogo algum, o espectador fica a par da solidão de Lina em seu próprio lar, do conflito psicológico em que a personagem se encontra. Momentos assim fazem do velho Hitch um mestre inigualável na arte de filmar cenas banais que dizem muito mais do que aparentam.

E já perto do fim do filme, outro momento de antologia. Lina praticamente tem certeza – e nós, espectadores, também – de que seu marido irá matá-la . Vemos, então, ele sair da cozinha com um copo de leite.

Nem precisamos pensar “será que a bebida está envenenada?”: a imagem já diz tudo.

Digressões

Alguns filmes assistidos nos últimos dias:

cotação de * a *****

Irmãs Diabólicas (Sisters, EUA, 1973), de Brian De Palma ****

De Palma é brilhante quando pega elementos conhecidos dos filmes de Hitchcock – aqui, temos referências a Festim Diabólico, Psicose e Janela Indiscreta – e os subverte completamente. Nós achamos que sabemos o que vai acontecer, justamente pelo conhecimento prévio dos filmes homenageados, mas aí ele aparece e fala “não, não, vamos por aquele outro caminho”.

Cão Branco (White Dog, EUA, 1982), de Samuel Fuller *****

Atualmente, ninguém faz com centenas de milhões de dólares disponíveis o que Fuller fazia com um orçamento mínimo. É impressionante como o diretor – e também roteirista de quase todos seus filmes – criava metáforas perfeitas para criticar a sociedade americana. Em Cão Branco, o cachorro treinado para matar negros se transforma na prova definitiva que o racismo não tem cura.

Suspeita (Suspicion, EUA, 1941), de Alfred Hitchcock ****

O filme-tema deste post não deve ser encarado como uma obra menor de Hitchcock. O que começa como uma leve comédia screwball se torna um pesadelo. Se o final original não fosse vetado pelo estúdio, seria uma obra-prima absoluta.

Fervura Máxima (Lat sau san taam, Hong Kong, 1992), de John Woo ****

Antes de filmar em Hollywood, John Woo fazia filmes de ação incríveis em Hong Kong, como este Fervura Máxima, que não deve em nada a clássicos do gênero como Duro de Matar ou Robocop. Além de esteticamente belo, com ótimo uso de câmera lenta – diferente da vala comum em que caiu a técnica hoje – e cenas de tiroteios absurdas (no bom sentido do termo), ainda faz um tocante estudo de personagem, analisando policiais à beira do colapso mental em uma cidade onde a violência não é exceção, mas lei.

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